'Não se demonstrava carinho. Hoje, há mais diversidade': professora que dá aula na mesma escola há 50 anos revela o que mudou na educação
- Sindminérios
- há 3 dias
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Marilena Gonçalves se encontrou na pedagogia e há mais de cinco décadas dá aulas em uma mesma instituição do Rio de Janeiro. Em entrevista a Marie Claire, ela relata sua experiência como professora e conta as maiores mudanças que sentiu na educação ao longo dos anos: 'Não se demonstrava carinho, não se abraçava aluno. O máximo era um aperto de mão'

Aos 73 anos, a professora Marilena Gonçalves não pensa em parar. Há mais de 50 anos, ela se dedica a dar aulas em uma mesma escola no Rio de Janeiro. Durante sua trajetória, ela acompanhou a evolução da tecnologia e as mudanças na sociedade. Ela também experimentou alterações nos métodos de ensino.
A Marie Claire, a carioca relata sua experiência de cinco décadas nas salas de aula.
'Fui e nunca mais saí'
O interesse da professora pela educação começou ainda na infância, quando, com um quadro e bonecas, ela já brincava de ser professora. “Meu pai me deu um quadro no Natal, e eu sentava minhas bonecas para dar aula. Sempre curti muito. Realmente foi o que escolhi, e sou muito feliz porque faço o que eu gosto, no que eu acredito”, conta.
A brincadeira virou vocação e, mais tarde, uma profissão. Formou-se em pedagogia em 1971 e iniciou sua jornada em uma escola antes de ser chamada, quatro anos depois, para ser professora na Escola Suíça- Brasileira, em Santa Teresa, Zona Sul do Rio de Janeiro. Foi o início de uma longa e apaixonada relação. “A escola precisava de alguém para substituir uma professora doente. Fui, gostaram do meu trabalho e no ano seguinte me ofereceram uma turma. Nunca mais saí.”
Naquela época, a Escola Suíça era predominantemente formada por filhos de diplomatas e empresários suíços, alemães e austríacos. Os brasileiros eram minoria. Marilena começou dando aulas de Português e Ciências Sociais, que englobava História, Geografia e Moral e Cívica.
“Quando eu comecei a escola era muito formal. Eu entrei com 22 anos e o diretor disse: ‘Aqui ninguém é tia, você é dona Marilena.’ Foi um choque de cultura. Hoje em dia, os alunos me chamam de várias formas: Dona Marilena, só Marilena, até ‘Mari Mari’, com carinho. A escola ficou mais próxima, mais humana. Nós professores estamos mais próximos dos alunos, e isso é muito bom.”
A carioca diz que viveu a evolução da própria escola. Viu famílias crescerem, ex-alunos se tornarem pais e até colegas de profissão. Dentro de uma só família, chegou a dar aula para três gerações de alunos. “Já chamei pais de alunos para reuniões que foram meus próprios ex-alunos. É uma sensação muito especial. Algumas ex-alunas hoje são minhas colegas. Na homenagem que recebi da escola, minha primeira turma estava presente. Três delas são professoras hoje. É interessante saber que talvez eu tenha influenciado essa escolha.”
'Na minha época era tudo no papel'
Ao longo das décadas, Marilena viu o mundo se transformar e precisou se adaptar a ele. Para ela, o maior desafio foi lidar com a chegada da tecnologia. “Na minha época era tudo no papel, com máquina de escrever e mimeógrafo. A informática foi um grande desafio. No início da pandemia, eu perdia noites de sono. Pensava: ‘como vou dar aula por um computador?’. Tínhamos tutoriais para aprender a usar o Zoom, depois migramos para o Teams. Hoje, adoro. Acho prático, eficiente. Mas foi um desafio e tanto.”
Outra grande mudança sentida por ela foi no tratamento entre alunos e professores. Antes, a relação era “muito mais distante” e o professor “era uma figura quase intocável”. “Não se demonstrava carinho, não se abraçava aluno. O máximo era um aperto de mão e um ‘bom dia’. Agora, acompanhamos a evolução da sociedade e da pedagogia. Respeitamos mais a individualidade de cada aluno, trabalhamos com diferentes métodos de avaliação, não apenas provas.”
“Uso sala invertida, onde os próprios alunos preparam e apresentam os temas. É incrível. Há a inclusão de alunos no espectro autismo e com TDAH. Fazemos um trabalho individualizado. Isso é um grande avanço. Antes, ou o aluno aprendia, ou era reprovado. Hoje vemos o aluno como um todo.”
'A escola faz parte da minha vida'
Entre tantos momentos marcantes, um episódio é lembrado com carinho: a chegada de um aluno suíço que não falava português. Ele tinha apenas oito anos e chorava compulsivamente nas aulas, sem entender uma palavra do que a professora dizia.
“Eu não falava alemão e ele não falava português. Fiquei tensa. Mas resolvi aprender algumas palavras para me comunicar com ele. Um aluno do ensino médio do meu prédio começou a me ensinar alemão.”
A dedicação deu certo: o aluno passou a se sentir acolhido, além de ter começado a escrever com fluência em português. “O pai dele dizia que ele escrevia melhor em português do que em alemão. Foi um orgulho.”
A situação motivou Marilena a estudar formalmente o idioma. Em 1993, como reconhecimento, foi enviada pela escola à Suíça para um estágio de três semanas. “Foi minha primeira vez na Europa. Depois disso, viajei muito, mas aquela experiência foi única. Fui reconhecida como professora brasileira que estudava alemão e tive a oportunidade de dar aula lá.”
Marilena continua dando aulas, porém com uma carga horária reduzida. Trabalha três dias por semana e, mesmo aposentada, não pretende sair tão cedo da sala de aula. “Tenho prazer em dar aula. Não trabalho só pelo salário, mas por amor. Estou aqui porque quero. Posso parar a qualquer momento, mas enquanto estiver me fazendo bem, vou continuar.” E mesmo após meio século de dedicação, seu maior prazer ainda é abrir a porta da sala de aula.
“Quando você permanece tanto tempo em uma mesma instituição, não é por acaso. É porque existe identificação com os valores, com a missão, com as pessoas. A escola faz parte da minha vida. É ali que me sinto realizada. É ali que eu sou, de verdade, Marilena.”
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